sábado, 18 de fevereiro de 2012

No elevador de Deus


     A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
    Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
    Bobeou eu tô morrendo
    Na minha extrema pulsão


    Na minha extrema-unção
    Na minha extrema menção
    de acordar viva todo dia
    Há dores que sinceramente eu não resolvo
    sinceramente sucumbo
    Há nós que não dissolvo
    e me torno moribundo de doer daquele corte
    do haver sangramento e forte
    que vem no mesmo malote das coisas queridas
    Vem dentro dos amores
    dentro das perdas de coisas antes possuídas
    dentro das alegrias havidas


    Há porradas que não tem saída
    há um monte de "não era isso que eu queria"
    Outro dia, acabei de morrer
    depois de uma crise sobre o existencialismo
    3º mundo, ideologia e inflação...
    E quando penso que não
    me vejo ressurgida no banheiro
    feito punheteiro de chuveiro
    Sem cor, sem fala
    nem informática nem cabala
    eu era uma espécie de Lázara
    poeta ressucitada
    passaporte sem mala
    com destino de nada!


    A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
    ensaiar mil vezes a séria despedida
    a morte real do gastamento do corpo
    a coisa mal resolvida
    daquela morte florida
    cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
    cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
    que já to ficando especialista em renascimento


    Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
    às vezes só porque não foi um bom desfecho
    ou porque eu não concordo
    Ou uma bela puxada no tapete
    ou porque eu mesma me enrolo
    Não dá outra: tiro o chinelo...
    E dou uma morrida!
    Não atendo telefone, campainha...
    Fico aí camisolenta em estado de éter
    nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
    Tô nocauteada, tô morrida!


    Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
    não tem aquela ansiedade para entrar em cena
    É uma espécie de venda
    uma espécie de encomenda que a gente faz
    pra ter depois ter um produto com maior resistência
    onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
    e fica feito a justiça: cega
    Depois acorda bela
    corta os cabelos
    muda a maquiagem
    reinventa modelos
    reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
    pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
    E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
    de expersona falida:
    - Não, tava só deprimida.

                                                                      Elisa Lucinda
                                                

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