terça-feira, 13 de novembro de 2012














Beija-me
demoradamente
e calma
que a minha língua não se acostuma
com a secura das palavras.
Regue-as!
Deixa-me com a boca cheia d`água.

Neuzi Ebert



"A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.  
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é líquida."
                                                                    [trecho de Alcoólicas - Hilda Hilst]








terça-feira, 11 de setembro de 2012

Vendaval

Vão se os lenços, os laços, os lençóis
Vão se os sustos, os suspiros, as suspeitas
Vão se os  encômios, os encantos, os encontros
Vãos se abrem entre nós
Vamos sós.

Neuzi Ebert

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Existe um tempo de "não ser"
que também pode ser bom
um tempo sem nome
sem status
sem definição -
Um tempo em que
o não dito é o que é - e o resto
é só pressuposição.



terça-feira, 17 de abril de 2012


E depois de uma tarde de quem sou eu
E de acordar a uma hora da madrugada em desespero...
Eis que as três horas da madrugada eu me acordei
E me encontrei
Simplesmente isso:
Eu me encontrei calma, alegre
Plenitude sem fulminação
Simplesmente isso
Eu sou eu
E você é você
É lindo, é vasto
Vai durar
Eu sei mais ou menos
O que vou fazer em seguida
Mas por enquanto
Olha pra mim e me ama
Não
Tu olhas pra ti e te amas
É o que está certo.



Texto de Clarice Lispector
Extraído do Disco Rosa dos Ventos - 1971

sábado, 3 de março de 2012

"E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras."


Ana Jácomo

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

sábado, 18 de fevereiro de 2012

No elevador de Deus


     A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
    Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
    Bobeou eu tô morrendo
    Na minha extrema pulsão


    Na minha extrema-unção
    Na minha extrema menção
    de acordar viva todo dia
    Há dores que sinceramente eu não resolvo
    sinceramente sucumbo
    Há nós que não dissolvo
    e me torno moribundo de doer daquele corte
    do haver sangramento e forte
    que vem no mesmo malote das coisas queridas
    Vem dentro dos amores
    dentro das perdas de coisas antes possuídas
    dentro das alegrias havidas


    Há porradas que não tem saída
    há um monte de "não era isso que eu queria"
    Outro dia, acabei de morrer
    depois de uma crise sobre o existencialismo
    3º mundo, ideologia e inflação...
    E quando penso que não
    me vejo ressurgida no banheiro
    feito punheteiro de chuveiro
    Sem cor, sem fala
    nem informática nem cabala
    eu era uma espécie de Lázara
    poeta ressucitada
    passaporte sem mala
    com destino de nada!


    A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
    ensaiar mil vezes a séria despedida
    a morte real do gastamento do corpo
    a coisa mal resolvida
    daquela morte florida
    cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
    cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
    que já to ficando especialista em renascimento


    Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
    às vezes só porque não foi um bom desfecho
    ou porque eu não concordo
    Ou uma bela puxada no tapete
    ou porque eu mesma me enrolo
    Não dá outra: tiro o chinelo...
    E dou uma morrida!
    Não atendo telefone, campainha...
    Fico aí camisolenta em estado de éter
    nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
    Tô nocauteada, tô morrida!


    Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
    não tem aquela ansiedade para entrar em cena
    É uma espécie de venda
    uma espécie de encomenda que a gente faz
    pra ter depois ter um produto com maior resistência
    onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
    e fica feito a justiça: cega
    Depois acorda bela
    corta os cabelos
    muda a maquiagem
    reinventa modelos
    reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
    pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
    E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
    de expersona falida:
    - Não, tava só deprimida.

                                                                      Elisa Lucinda
                                                

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"Porque aprendi, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. Dá sempre pra tirar um coelho da cartola".
Caio Fernando Abreu


sábado, 28 de janeiro de 2012

La Loba



Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fadas da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.

Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.

Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.

0 único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos.
Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montañas e os arroyos, leitos secos de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.
La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.
E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma. (...)


La Loba faz um paralelo com os mitos universais nos quais os mortos são ressuscitados. Na mitologia egípcia, Ísis cumpre essa tarefa para seu irmão morto, Osíris, que é esquartejado pelo irmão mau, Set, todas as noites. Isis trabalha desde o anoitecer até o amanhecer todas as noites para restaurar o corpo do irmão antes da manhã, se não o sol não nascerá. O Cristo levantou Lázaro, que estava morto há tanto tempo que "cheirava mal". Deméter chama sua pálida filha Perséfone de volta da Terra dos Mortos uma vez por ano. E La Loba canta sobre os ossos.

Essa é a nossa técnica de meditação enquanto mulheres, a evocação de aspectos mortos e desagregados de nós mesmas, a evocação de aspectos mortos e desagregados da própria vida. Aquele que recria a partir do que está morto é sempre um arquétipo de duas faces. A Mãe Criadora é sempre também a Mãe Morte, e vice-versa.
Em virtude dessa natureza dual, ou dessa duplicidade de função, a grande tarefa diante de nós consiste em aprender a compreender à nossa volta e dentro de nós exatamente o que deve viver e o que deve morrer. Nossa tarefa reside em captar a situação temporal de cada um: permitir a morte àquilo que deve morrer, e a vida ao que deve viver.


                            Clarissa Pinkola Estes -  Mulheres que correm com lobos, p.23, 24 e 26.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sinal dos tempos




É preciso fazer uma canção 
Um trato, uma entrega, uma doação 
É preciso a chuva escura, a noite 
A solidão 
É preciso tudo agora 
Um dissabor uma vitória uma confissão 
A voz de um instrumento e a tua mão 
Que nos faça acordar 
Sim 
Meias palavras não bastam 
É preciso acordar 
É preciso mergulhar mais que mil pés 
Onde Netuno traça o rumo das marés 
É preciso acertar a direção dos pés 
Quando os velhos caminhos se esgotam 
E os tempos não voltam 
Não voltam 
É preciso alcançar outra estação 
Mesmo com sono mesmo cansado solto como um cão 
É preciso o sol e a rua a tarde 
A multidão 
É preciso Atravessar lá fora 
Um corredor um rio da história uma revolução 
O caos de uma palavra nova, um sim e um não 
Que nos faça acordar 
Sim 
Meias palavras não bastam 
É preciso acordar 
É preciso mergulhar... 


Antônio villeroy

sábado, 14 de janeiro de 2012

Travessia

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
que já tem a forma do nosso corpo;
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia...
E se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos." 

Fernando Pessoa

Palavras-presente


"Acho que uma das melhores coisas que podemos experimentar na vida,
homem ou mulher, é a boniteza em nossas relações, mesmo que,
de vez em quando, salpicadas de descompassos que
 simplesmente comprovam a nossa "gentetude".


Paulo Freire - Pedagogia da Esperança
Aquarela - Adelina Jacob

"Viver devagar é que é bom, e entreviver-se, amando, desejando, sofrendo, avançando e recuando, tirando das coisas ao redor uma íntima compensação, recriando em si mesmo a reserva dos outros e vivendo em uníssono. Isso é que é viver, e viver afinal é questão de paciência.

Fernando Sabino

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Meio - Neusa Doretto


Como eu começo não sei, só sei que puxo um fio de lá de dentro e a coisa vem.
Nem sempre pensada.
 É o rítmo da caminhada.  Das pegadas que a vida faz.  
A entrada e  a saída,o começo e  o fim. O sentimento é o meio. 
A emoção é o meio.
Todos esses frissons de primeira grandeza fazem parte do meio:  afeto,lembrança e as grandes marcas da vida. 
Existem pessoas que entram pela porta principal da sua vida. Que você não esquece e nem quis esquecer porque só deram prazer e alegria .Eu tive uma pessoa assim. Única. Inesquecível.
Viver é a grande aventura. Definir o seu meio de vida é fundamental. Porque o meio é tudo. 
É o que você é depois que acorda até a hora de  dormir. O  meio , a largura da vida . O luxo emocional. 
A vitrine  da padaria onde estão expostos todos os seus sonhos. Com bastante coisas no meio. 

domingo, 1 de janeiro de 2012

Desejos de Ano Novo

O primeiro dia do ano chega sempre cheinho de desejos... sobra votos e desejos de amor, felicidade, realizações, prosperidade.
Que ao longo do ano permaneça em nós a força criadora desses tantos desejos... porque o bom da vida é poder e saber desejar.