Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite, eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais, eu sofria minha própria despedida, morte e parto, eu tinha que renascer e não queria, não quero, sinto que caí num vácuo, perdi a parte boa da minha história, e não quero outra, enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância, eu nunca vi você chorar, você alguma vez chorou por mim, você sofre a minha ausência, sente minha falta? Estar sozinha nessa aflição me condói de mim mesma, é o labirinto do inferno, não há saída, não há saída, você não está me esperando lá fora, nem hoje, nem amanhã, você não vai fazer nenhum gesto para me resgatar, e se fizesse, eu não estenderia minha mão, e é isso que me faz descrer de tudo, eu sei que acabou, eu estava infeliz ao seu lado, eu estou infeliz sem você, mentira, eu era feliz ao seu lado, e nem sei se a palavra é essa, feliz. Felicidade é um resumo fácil, uma preguiça de investigar o muito mais que nos ergue diariamente, na época era o que me bastava, eu sabia onde estava e com quem, eu não estou infeliz, eu só estou perdida e não consigo mandar nenhum S.O.S., ninguém sabe onde estou, largaram meu corpo em cima dessa cama e ninguém me procura.
Choro, choro muito, choro agora feito uma guitarra dedilhada por um bêbado, sinto uma piedade inconsolável de mim, de tanto que recordo o quanto te quis e o quanto te admirei por amares a mim, era paixão inveterada, paixão de doer, paixão de não dar certo mesmo, paixão de perder o tino, e perdi por completo, hoje tento compreender duas ou três frases e nem isso me cabe, ficou tudo sem lógica, eu que prezo tanto a lógica, não entendo mais nada, mergulhei no escuro da minha perplexidade, você era meu até bem pouco tempo, mas vou sair dessa, veja, já estou enxugando as lágrimas, procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer, esses compromissos que a gente inventa para fingir que a vida continua. Marquei hora no cabeleireiro sem ter motivo algum pra ficar bonita.
(...)
No segundo dia eu sumi com sua escova de dente, que ficava ao lado da minha, as duas grudadas de forma indecente, como nunca mais ficaremos, tirei a sua de perto, mas não tive coragem de jogá-la fora, abandonei-a numa gaveta na esperança de que você viesse um dia e não veio. Hoje a peguei entre as mãos e cheirei as cerdas em busca de um resto de saliva sua, do odor da sua boca, e me senti estúpida e digna de pena, joguei na lixeira sua escova e fiquei me sentindo um pouquinho pior, porque nada me serve, nenhum ato que pareça maduro é maduro de fato, mas o que me resta? Tenho que faxinar você da minha vida, não posso permitir o atrevimento de você estar aqui sem estar aqui. Não ouço mais música, todos os discos foram escutados em sua presença, nas nossas noites e também ao acordar, a casa sempre sonorizada, você não gostava de silêncios, nunca estive com você sem que houvesse música e isso agora me intriga: por que o silêncio te incomodava tanto? Nas nossas viagens, música, música, muita música, e quando a estrada era longa às vezes eu cansava do barulho, diminuía o volume ou desligava o som e você reagia, e eu sigo desligando, interrompendo as músicas que ouvíamos na sala, no carro, pois cada verso, cada letra, é de mim que falam, da sua ausência, da minha dor, do seu novo amor. (...) Você era perdulário com as palavras, não havia um único dia em que eu não escutasse de você o quanto me amava, dizia no meu ouvido ou através de bilhetes, te amo, te amo, como é que você fez para incinerar todo esse amor em tão pouco tempo, onde o escondeu, em algum guarda-volume de rodoviária, enterrou em algum matagal, como é que seu amor foi desaparecer sem deixar pista, rastro, feito um crime perfeito?
A primeira vez que eu disse que te amava foi depois de uma transa, uma das nossas primeiras, e eu me surpreendi com o que havia dito, porque ao contrário de você, sou econômica nas declarações, mas as palavras saíram de mim como num gozo, sem controle, eu mal te conhecia e de dentro de mim saiu aquele te amo com uma voz que era a minha, porém num tom mais leve e de uma sinceridade que me comoveu, te amo, e também nunca mais parei, e nunca vou parar, te amo e quero te matar, queria que você evaporasse, onde é que eu te incinero, te escondo, te enterro, me conta onde fica esse esconderijo secreto, o mesmo onde você sumiu com todos os eu te amo que me disse.
2 comentários:
Eu li. Bom demais. Ela sofre por ela e por todo mundo. Sou fã!!!! Trem bala também é muito bom. Tudo dela me toca. Da Fernanda Young também.
bjs :)
Martha é perfeita, mostra o quanto é feita de carne e osso e sofre como eu ando sofrendo.
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