terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Saudade

"É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te".

(Mario quintana)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Que venha 2011

Virada de ano mexe com a gente. Muda apenas um número no calendário, dizem alguns, tentando ignorar a força da passagem, da transição. O calendário marca etapas, fecha ciclos e abre outros tornando a vida circular e não uma estrada reta, contínua e monótonoma.
Um ano termina, fim de uma etapa. 2011 começa a despontar no horizonte trazendo inúmeras possibilidades... podemos recomeçar, fazer novas escolhas, renovar ou reafirmar aquilo que ainda faz algum sentido, descartar o que ja não nos cabe mais, guardar só o que vale a pena, só o que não pesa na memória, aquilo que não deixa nosso corpo máquina lenta e pesada. Viver exige muito espaço e energia ... bom mesmo é liberar a memória para se criar novos arquivos em 2011.
Aproveitemos essa última sermana do ano para deletar, arquivar e abrir espaços para o novo. Renove-se, encha-se de esperança - misto de espera e confiança no que há de vir.
Que a Deusa Sabedoria, Huáh Santa, encontre espaço para fazer morada em nós e seja inspiração para construção desse novo ano que vem por ai.

Para aqueles e aquelas que crêem...


"Amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria

Que se possa imaginar, amanhã redobrada a força

Pra cima que não cessa, há de vingar

Amanhã mais nenhum mistério, acima do ilusório

O astro rei vai brilhar, amanhã a luminosidade

Alheia a qualquer vontade, há de imperar, há de imperar

Amanhã está toda a esperança por menor que pareça

O que existe é pra festejar, amanhã apesar de hoje

Sera a estrada que surge pra se trilhar

Amanhã mesmo que uns não queiram será de outros que esperam

Ver o dia raiar, amanhã ódios aplacados temores abrandados

Será pleno, será pleno..."

Que seja plena a nossa alegria em 2011. Feliz Ano Novo !!!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal



Que bons ventos soprem sobre você a paz necessária para fazer do Natal um momento de celebração da vida e do amor...

Que 2011 seja para ti uma porta aberta cheia de possibilidades de realizações. Que os teus desejos e sonhos sejam renovados e sirvam de horizonte para o teu caminhar.



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

É o que me interessa - Lenine


Daqui desse momento                                  
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.

Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.

Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.

A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Se nada mais der certo


Esse é o título de um filme brasileiro que assisti ontem meio por acaso. Não gosto de comentar filme porque considero a percepção sobre o mesmo algo bem pessoal e, no caso desse filme, seria redundante uma vez que ele tem um site próprio bem produzido com todas as informações tecnicas, trilha sonora, imagens...
Pra quem gosta de filmes nacionais fica a indicação. Eu gostei!


"Qual é a lógica do pobre quando rouba o rico?O pobre rouba o rico porque quer ter o que ele não tem. Qual a lógica do rico quando rouba o pobre se ele ja tem tudo? A gente é educado pra não roubar, mas não é educado pra não ser roubado."

"Se não existe milagre existe uma outra coisa que sempre nos traz à vida se nada mais der certo..."

Poema de Hilda Hilst:

"Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões
examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo

Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer".


http://www.senadamaisdercerto.com.br/

"Fora de Mim" Martha Medeiros

Não sei se as pessoas choram de forma diferente umas das outras, eu choro contraída, como se alguém estivesse perfurando minha alma com uma lâmina enferrujada, choro como quem implora, pare, não posso mais suportar, mas o insuportável é uma medida que nunca tem limite, eu chorei no domingo, na segunda, na terça, em várias partes do dia e da noite, um choro de quem pede clemência, de quem está sendo confrontado com a morte, eu estava abandonando uma vida que não teria mais, eu sofria minha própria despedida, morte e parto, eu tinha que renascer e não queria, não quero, sinto que caí num vácuo, perdi a parte boa da minha história, e não quero outra, enquanto choro penso que se alguém me visse chorar dessa maneira me salvaria, prestaria socorro, chamaria uma ambulância, eu nunca vi você chorar, você alguma vez chorou por mim, você sofre a minha ausência, sente minha falta? Estar sozinha nessa aflição me condói de mim mesma, é o labirinto do inferno, não há saída, não há saída, você não está me esperando lá fora, nem hoje, nem amanhã, você não vai fazer nenhum gesto para me resgatar, e se fizesse, eu não estenderia minha mão, e é isso que me faz descrer de tudo, eu sei que acabou, eu estava infeliz ao seu lado, eu estou infeliz sem você, mentira, eu era feliz ao seu lado, e nem sei se a palavra é essa, feliz. Felicidade é um resumo fácil, uma preguiça de investigar o muito mais que nos ergue diariamente, na época era o que me bastava, eu sabia onde estava e com quem, eu não estou infeliz, eu só estou perdida e não consigo mandar nenhum S.O.S., ninguém sabe onde estou, largaram meu corpo em cima dessa cama e ninguém me procura.

Choro, choro muito, choro agora feito uma guitarra dedilhada por um bêbado, sinto uma piedade inconsolável de mim, de tanto que recordo o quanto te quis e o quanto te admirei por amares a mim, era paixão inveterada, paixão de doer, paixão de não dar certo mesmo, paixão de perder o tino, e perdi por completo, hoje tento compreender duas ou três frases e nem isso me cabe, ficou tudo sem lógica, eu que prezo tanto a lógica, não entendo mais nada, mergulhei no escuro da minha perplexidade, você era meu até bem pouco tempo, mas vou sair dessa, veja, já estou enxugando as lágrimas, procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer, esses compromissos que a gente inventa para fingir que a vida continua. Marquei hora no cabeleireiro sem ter motivo algum pra ficar bonita.


(...)

No segundo dia eu sumi com sua escova de dente, que ficava ao lado da minha, as duas grudadas de forma indecente, como nunca mais ficaremos, tirei a sua de perto, mas não tive coragem de jogá-la fora, abandonei-a numa gaveta na esperança de que você viesse um dia e não veio. Hoje a peguei entre as mãos e cheirei as cerdas em busca de um resto de saliva sua, do odor da sua boca, e me senti estúpida e digna de pena, joguei na lixeira sua escova e fiquei me sentindo um pouquinho pior, porque nada me serve, nenhum ato que pareça maduro é maduro de fato, mas o que me resta? Tenho que faxinar você da minha vida, não posso permitir o atrevimento de você estar aqui sem estar aqui. Não ouço mais música, todos os discos foram escutados em sua presença, nas nossas noites e também ao acordar, a casa sempre sonorizada, você não gostava de silêncios, nunca estive com você sem que houvesse música e isso agora me intriga: por que o silêncio te incomodava tanto? Nas nossas viagens, música, música, muita música, e quando a estrada era longa às vezes eu cansava do barulho, diminuía o volume ou desligava o som e você reagia, e eu sigo desligando, interrompendo as músicas que ouvíamos na sala, no carro, pois cada verso, cada letra, é de mim que falam, da sua ausência, da minha dor, do seu novo amor.  (...) Você era perdulário com as palavras, não havia um único dia em que eu não escutasse de você o quanto me amava, dizia no meu ouvido ou através de bilhetes, te amo, te amo, como é que você fez para incinerar todo esse amor em tão pouco tempo, onde o escondeu, em algum guarda-volume de rodoviária, enterrou em algum matagal, como é que seu amor foi desaparecer sem deixar pista, rastro, feito um crime perfeito?
A primeira vez que eu disse que te amava foi depois de uma transa, uma das nossas primeiras, e eu me surpreendi com o que havia dito, porque ao contrário de você, sou econômica nas declarações, mas as palavras saíram de mim como num gozo, sem controle, eu mal te conhecia e de dentro de mim saiu aquele te amo com uma voz que era a minha, porém num tom mais leve e de uma sinceridade que me comoveu, te amo, e também nunca mais parei, e nunca vou parar, te amo e quero te matar, queria que você evaporasse, onde é que eu te incinero, te escondo, te enterro, me conta onde fica esse esconderijo secreto, o mesmo onde você sumiu com todos os eu te amo que me disse.

"Fora de Mim" Martha Medeiros

Eu sabia que terminaríamos, eu sabia que era uma viagem sem destino, sabia desde o início e não sabia, não sabia que doeria tanto, que era tanto, que era muito mais do que se pode saber, ninguém pode saber um amor, entender um amor, tanto que terminou sem muito discurso, foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato, repare em como não te quero mais, me deixe, e eu, de repente, naquela noite que poderia ter sido amena, me vi desistindo de um jantar e de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida, e a mais longa, começou a ser amadurecida desde o dia em que falei com você pela primeira vez, desde uma tarde em que ainda nem tínhamos iniciado nada e eu já amadurecia o fim, e assim foi durante os dois anos em que estivemos tão juntos e tão separados, eu em constante estado de paixão e luto, me preparando para o amor e a dor ao mesmo tempo, achando que isso era maturidade. Que idiota eu sou, o que é que amadureci?

Nada, nem a mim mesma, jamais deixei de ter 10 anos, nem quando tive 30, nem quando fiz 40. Nunca tive idade, ela de nada me serviu, ser lúcida sempre foi apenas uma maneira de parecer elegante, uma estratégia para a convivência. Você lembra como eu chorei aquela noite, lembra do fim, você não pode ter esquecido aquela cena, entramos em casa sem acender as luzes, você olhando para fora da janela enquanto eu derramava toda a minha frustração e meu desespero, como se a culpa fosse minha e não sua, ou fosse sua e não minha, como se existisse culpa para o término de um relacionamento que simplesmente não tinha mais combustível, nem mais estrada. (...) quanto tempo faz, 15 minutos, vinte minutos desde que você saiu aqui de casa? Eu ainda estava quieta agora há pouco, eu ainda estava sem pensar e sem sentir, de repente me deu uma calma, nenhuma desgraça aconteceu, você desceu pelas escadas, eu fechei a porta do apartamento e não chorei mais, eu vi pela janela o seu carro saindo da garagem e não chorei, eu fui para o banheiro escovar os dentes, acho que escovei os dentes, não lembro, e botei uma camisola e fui pra cama e não chorei, não pensei, não senti, não chorei, entendi, não entendi, não pensei, não sei, acho que dormi.

Você não ligaria no dia seguinte, era domingo, fui até a cozinha lavar a louça, mas não havia louça para lavar, o combinado era jantarmos fora na noite anterior, não jantamos, ninguém se alimentou, quanto tempo faz desde aquela noite, parece um século, foi ontem. Decidi seguir a rotina: o que eu fazia aos domingos de manhã?

Eu caminhava, eu ia ao parque, então caminharei, mas falta você, coloquei o tênis, saí a pé de casa, falta você e não falta, o estrondo está diminuindo, o barulho cessou, será que eu já percebo o acidente? Dou uma volta no parque, duas voltas, três voltas, você não virá aqui me ver? Volto. Telefono pra minha mãe, não telefono pra você, conto pra ela que acabamos, meu relato é muito coerente, ela lamenta mais ou menos, já ouviu eu contar essa história antes, somos reincidentes em finais, mas agora é pra valer, quem me acredita? Eu não me acredito, mas agora não te quero mesmo, e eu já ouvi isso antes, de você, de mim, agora não tem mais volta – dei tantas voltas no parque, é tão ridículo caminhar pra lugar nenhum, para quem vou ficar magra e saudável? E voltei a dizer: não, mãe, acabou de verdade, e pela primeira vez reparei em minha voz tremida, pela primeira vez naquele domingo eu fraquejei, as palavras saíram entrecortadas, eu catava as sílabas que me fugiam, e ela do outro lado da linha fingia que não doía nela também.

Liguei o computador, escrevi, que é como organizo meu pensamento, escrevi e parecia que eu estava ditando a mim mesma um texto requentado, agora acabou, agora é comigo, sei que vou conseguir, tenho meus motivos, e me dei várias explicações, tentei me convencer, eu estava tão racional, tão genial, eu quase consegui, e não almocei, zanzei pela casa, tomei um banho, troquei de roupa, tirei suas fotos dos porta-retratos e desabei pela segunda vez, a primeira sem que você testemunhasse.

Guardei na gaveta aquela fotografia em que você estava de boné, parecia um garoto, me agarrando pela cintura. Guardei todas. Aquela outra, nós dois, eu de novo enlaçada por você. E uma de você sozinho, um flagrante, você não percebeu, bati a foto enquanto você lia o jornal, tão lindo, você era tão lindo, você ainda é o mesmo homem depois de ontem, o mesmo homem sem mim? Eu me olho no espelho e não me enxergo, não sou mais a mesma, perdi a identidade. Tirar suas fotos de vista me pareceu uma providência curativa, agora você não o verá mais, querida, vai esquecê-lo mais rápido, como somos inocentes. E eu lá quero esquecê-lo? Sua presença ainda está tão quente dentro desse apartamento, o colchão ainda está meio afundado do lado em que você dormia.


 Martha Medeiros
Trecho do livro Fora de mim (Editora Objetiva, 126 págs.)