Na semana passada surgiu em minha vida o tema da morte e confesso que me "incomodou" pra caramba. Um homem a quem havia contratado para uma pequena reforma no banheiro, entra em minha casa e traz consigo na bagagem a perda recente do filho, um jovem músico de 26 anos.
Era impossível ser indiferente à sua dor estampada no olhar, nos ombros caídos, na tristeza presente em cada movimento, em cada butuca de cigarro jogada no canto perto da janela. Mesmo assim eu me calei.
Durante quase uma semana ele trabalhou em silêncio e eu fingia que não notava nada diferente, apesar do incômodo que sentia sempre que me aproximava.
Então, durante sua última visita para fazer os retoques finais no seu trabalho, comentei algo sobre ter visto algumas fotos do seu filho na internet, uma homenagem feita pelos companheiros da sua antiga banda que estava no you tube. Esse comentário foi o estopim para mais de duas horas de conversa.
Aquela sensação de incômodo que sentia foi diminuindo e sei que muitas barreiras foram ao chão naquele momento. Misturado ao sentimento de dor, estava presente em sua fala uma tremenda sensação de raiva, indignação e também de falta de respostas convincentes para suas perguntas. Muitos pastores, amigos e amigas ja haviam tentado explicar-lhe o motivo da perda e de como era necessário que ele se conformasse com a mesma.
Alguém chegou a dizê-lo que seu filho, exatamente por ser um excelente músico, provavelmente tinha sido chamado por Deus para reger o coral dos anjos no céu.
A impressão que tenho é que algumas pessoas não levam a sério a dor alheia a ponto de infantilizá-la.
Ele sabe que a fé em Deus é o que mais o ajuda nesse momento e demonstrou ter um bom conhecimento bíblico, o que de certa forma gerava ainda mais dúvidas e questionamentos. O que fazer quando a fé que se tem parece pequena, pouca diante da dor?
Eu partilho das suas perguntas e da sua indignação. Também não sei lidar com as perdas, nem mesmo com as pequenas perdas do dia a dia. A dor para mim é um enorme ponto de interrogação, um montão de porquês... e as respostas nunca parecem estar à altura.
Para esse pai, a dor era visivelmente uma carga pesada demais que ele precisava carregar por um tempo indeterminado. Ele não parecia pronto para voltar ao trabalho, mas a vida seguia com suas imposições e necessidades - há outros filhos que precisam dele. A vida nem sempre respeita o tempo da nossa dor.
Essa experiência marcou os meus dias e está presente em meus pensamentos e orações. Para a minha surpresa, ao ler a crônica do Carpinejar desse fim de semana vejo que ele relata o seu reencontro com sua antiga professora que perdeu o filho adolescente e faz a seguinte reflexão:
"(...) Doralice sempre me surpreendeu pela sua lucidez. Foi minha professora de matemática na Escola Estadual Imperatriz Leopoldina. Na última semana, passei pela frente de sua casa no bairro Petrópolis e arrisquei apertar sua campainha. Ela me recebeu com um longo abraço e me convidou a entrar. Reparei que pintava na varanda.
Era impossível ser indiferente à sua dor estampada no olhar, nos ombros caídos, na tristeza presente em cada movimento, em cada butuca de cigarro jogada no canto perto da janela. Mesmo assim eu me calei.
Durante quase uma semana ele trabalhou em silêncio e eu fingia que não notava nada diferente, apesar do incômodo que sentia sempre que me aproximava.
Então, durante sua última visita para fazer os retoques finais no seu trabalho, comentei algo sobre ter visto algumas fotos do seu filho na internet, uma homenagem feita pelos companheiros da sua antiga banda que estava no you tube. Esse comentário foi o estopim para mais de duas horas de conversa.
Aquela sensação de incômodo que sentia foi diminuindo e sei que muitas barreiras foram ao chão naquele momento. Misturado ao sentimento de dor, estava presente em sua fala uma tremenda sensação de raiva, indignação e também de falta de respostas convincentes para suas perguntas. Muitos pastores, amigos e amigas ja haviam tentado explicar-lhe o motivo da perda e de como era necessário que ele se conformasse com a mesma.
Alguém chegou a dizê-lo que seu filho, exatamente por ser um excelente músico, provavelmente tinha sido chamado por Deus para reger o coral dos anjos no céu.
A impressão que tenho é que algumas pessoas não levam a sério a dor alheia a ponto de infantilizá-la.
Ele sabe que a fé em Deus é o que mais o ajuda nesse momento e demonstrou ter um bom conhecimento bíblico, o que de certa forma gerava ainda mais dúvidas e questionamentos. O que fazer quando a fé que se tem parece pequena, pouca diante da dor?
Eu partilho das suas perguntas e da sua indignação. Também não sei lidar com as perdas, nem mesmo com as pequenas perdas do dia a dia. A dor para mim é um enorme ponto de interrogação, um montão de porquês... e as respostas nunca parecem estar à altura.
Para esse pai, a dor era visivelmente uma carga pesada demais que ele precisava carregar por um tempo indeterminado. Ele não parecia pronto para voltar ao trabalho, mas a vida seguia com suas imposições e necessidades - há outros filhos que precisam dele. A vida nem sempre respeita o tempo da nossa dor.
Essa experiência marcou os meus dias e está presente em meus pensamentos e orações. Para a minha surpresa, ao ler a crônica do Carpinejar desse fim de semana vejo que ele relata o seu reencontro com sua antiga professora que perdeu o filho adolescente e faz a seguinte reflexão:
"(...) Doralice sempre me surpreendeu pela sua lucidez. Foi minha professora de matemática na Escola Estadual Imperatriz Leopoldina. Na última semana, passei pela frente de sua casa no bairro Petrópolis e arrisquei apertar sua campainha. Ela me recebeu com um longo abraço e me convidou a entrar. Reparei que pintava na varanda.
– Começou a pintar, Dora?
– Eu? Não...
– O que é essa tela? (eu me aproximei da moldura que reproduzia uma praia no inverno)
– Ah, é minha dor que estava pintando, coloquei minha dor a se mexer, a aprender algo de útil, e parar de me incomodar.
E concordei com seu raciocínio. Quantas vezes abandonamos nossa dor no sofá, vadia, assistindo TV? Quantas vezes permitimos que ela fique o dia inteiro dormindo, lembrando bobagens? Nossa dor sozinha, sem emprego, sem fazer nada, desejando morrer no escuro. Nossa dor comendo às nossas custas, terminando com os nervos, o casamento, as amizades.
Dor é feita para trabalhar, senão adoecemos no lugar dela".
Pensei que era exatamente isso que meu "amigo" estava fazendo... colocando a dor dele para trabalhar. O pior foi perceber que nem em movimento sua dor parecia mais branda.
Pensei que era exatamente isso que meu "amigo" estava fazendo... colocando a dor dele para trabalhar. O pior foi perceber que nem em movimento sua dor parecia mais branda.